Entrevista sincera com a atriz e diretora Denise Weinberg, para o Cena Paulistana


Nas mãos da experiente atriz e diretora Denise Weinberg a peça “O Pelicano” volta à Cena Paulistana em temporada popular, no Viga Espaço Cênico. Para Denise, um texto, como esse, escrito pelo reconhecido dramaturgo sueco Johan August Strindberg é incansável. “Revisitá-la sempre é um exercício e um aprendizado”.

Em entrevista exclusiva para o Cena Paulistana, Denise Weinberg fala dessa paixão que desenvolveu por Strindberg e que mundo desvendou a partir da montagem. Entre os outros assuntos abordados não poderia também faltar o próprio teatro.

Sempre com uma sinceridade e uma humildade invejável, ela dispara: “Reconheço que o teatro também tem se distanciado do público, por estar fraco, sem interesse, com atores bem fracos, pois isto tudo está ligado à educação, que, infelizmente, no nosso país é a última opção do orçamento federal”.

Mas para a entrevista ficar melhor ainda, a gente traz junto com as declarações da diretora de “O Pelicano”, Denise Weinberg, os pitacos do ator e produtor do espetáculo, Flávio Barollo.

Para o Cena Paulistana, ele fala da chance que terão de montar o espetáculo, no Teatro Íntimo de Estocolmo, em 2012, que foi criado pelo próprio Strindberg. Flávio também explica melhor o processo da Cia Mamba para chegar ao espetáculo e da felicidade em montá-lo pela terceira vez. “Esta terceira temporada é mais uma oportunidade da equipe aprofundar sua pesquisa (...) Além de “O Pelicano” ser, sem dúvida, um dos textos mais complexos e representativos da genialidade de Strindberg”.

Leia e saboreie cada palavra.

*********************

Cena Paulistana: Em outubro, irá voltar ao teatro com a peça “O Pelicano” pela terceira vez. Por que montar pela terceira vez um espetáculo que já foi consagrado?

Denise Weinberg: Um espetáculo nunca é consagrado. Ele está sempre em processo, ainda mais um texto de Strindberg, que por mais vezes que você monte mais coisas aparecem. Para você ter uma ideia, Bergman montou “O Sonho de Strindberg” mais de quatro vezes, e sempre achou que não tinha chegado onde queria. Portanto, humildemente, acho que ainda estamos engatinhando na montagem dessa peça. Revisitá-la sempre é um exercício e um aprendizado.

Flávio Barollo: Um exemplo é que Bergman montou “O Pelicano” três vezes. A primeira foi em 1940, a segunda em 1945 e a última em 2003.

Cena Paulistana: Você disse que ouvir o texto de Johan August Strindberg, autor de “O Pelicano”, fará a plateia pensar em muitas coisas e que isso é bom. Você, por exemplo, pensa em que “coisas” ao ouvir um texto de Strindberg. Foram essas “coisas” que a fizeram montá-lo pela primeira vez?


Denise Weinberg: “O Pelicano” faz parte das peças do Teatro Intimo de Strindberg, ou seja, peças curtas, que fazem um recorte sobre a família em geral. Strindberg sempre achou que o inferno familiar é a causa dos tantos desajustes, tantas repressões, tantas infelicidades e desvarios que vemos, e eu, particularmente, acho que as "coisas" que Strindberg fala são universais. Pois todos nós temos famílias, sejam famílias infernais ou não, elas sempre influenciam na nossa maneira de ver a vida - com seus preconceitos, projeções, e ilusões. Por isso, acho que ouvir Strindberg faz com que você repense a própria vida, ilusões, frustrações, sucessos e fracassos.

Cena Paulistana: Como o autor Strindberg é da Suécia, alguns atores da peça chegaram a ir à Suécia conhecer mais sobre o universo que o cercava. Essa ideia surgiu como uma recomendação individual ou coletiva? Que resultados essa experiência trouxe?

Flávio Barollo: A equipe realizou um curta-metragem inspirado no Pelicano antes da montagem teatral. Este curta foi selecionado para o Festival de Estocolmo, levando parte da equipe para representá-lo. Lá aproveitamos a oportunidade para conhecer o Museu Strindberg, o Teatro Íntimo de Strindberg e a cidade em si. A atmosfera que encontramos e o modo de vida sueco acabaram conectando a equipe ainda mais ao trabalho que estava sendo feito.

Cena Paulistana: Você diz que Strindberg vai além do real, ele é muito simbólico também e trabalha como sensações. Essa mistura representa uma facilidade ou uma dificuldade na hora de se montar um espetáculo, por quê?

Denise Weinberg: É difícil montar Strindberg, já que ele transita entre o realismo e o simbolismo. Talvez seja por isso que ele é pouco montado no Brasil. Strindberg era um alquimista, mexia com a química, com o invisível e suas peças sempre têm algo de assombroso, fantástico: uma cadeira que se mexe sozinha, um vento que surge de não sei da onde - batendo portas e janelas. Enfim, uma coisa meio fantasmagórica, que é ao mesmo tempo muito difícil fazer no palco, mas também extremamente interessante, isso é.

Cena Paulistana: Vocês receberam convite para estrelar a peça no Teatro Íntimo de Estocolmo, em 2012. Esse é um teatro fundado pelo próprio Strindberg e em 2012 será o ano de centenário da morte do autor. Como foi esse convite? Essa nova temporada é uma preparação para encarar esse desafio? Há uma responsabilidade maior no fato de “O Pelicano” ter sido o espetáculo que inaugurou esse teatro?

Flávio Barollo: O fato de “O Pelicano” ter inaugurado o Teatro Íntimo é mais um motivo para nos debruçarmos ainda mais sobre este espetáculo. Esta terceira temporada é mais uma oportunidade da equipe aprofundar sua pesquisa. A participação no Festival, em 2012, será uma oportunidade ímpar de intercâmbio cultural e artístico, e de grande orgulho para nós. Além de “O Pelicano” ser, sem dúvida, um dos textos mais complexos e representativos da genialidade de Strindberg.

Cena Paulistana: Junto com o espetáculo haverá palestras complementares. A primeira acontece dia 10 de outubro, após a sessão, com você (Denise) e o psicoterapeuta e psiquiatra Jair Fuchs. Como foram escolhidos os palestrantes, foram profissionais que ajudaram na montagem do espetáculo?

Denise Weinberg: Não, são pessoas que escolhemos por acharmos que tinham a ver com teatro, com Strindberg e com a montagem. Por exemplo, o Jair Fuchs é um grande amigo meu e psicanalista, que acompanha meu trabalho no teatro desde a década de 80. Já participou de vários debates comigo e já fez várias palestras para elencos que dirigi. Então, o critério é reunir pessoas que gostem de discutir, debater, ver teatro, ler textos e compartilhar ideias.

Cena Paulistana: Um dos objetivos da temporada que farão agora é levar, a um preço popular, um clássico para todos os públicos. As palestras seriam para facilitar a aproximação do grande público com uma obra clássica como “O Pelicano”?

Denise Weinberg: Sim, as palestras seriam para aproximar a plateia do teatro, que hoje está tão distante do público. O intuito é chamar esse público a participar, assim, de uma forma mais ativa.

Cena Paulistana: Você acredita que a maioria da população sente a necessidade em entender melhor os clássicos e não tem acesso a isso ou há um repúdio natural do tipo: “Ah, isso foi escrito há muito tempo e deve ser cansativo e velho”? Como criar esse interesse? Como quebrar esse paradigma?

Denise Weinberg: Acho que no momento terrível de ditadura cultural em que nos encontramos, em que ninguém tem interesse em absolutamente nada, o teatro é o que mais sofre com isso. Reconheço que o teatro também tem se distanciado do público, por estar fraco, sem interesse, com atores bem fracos, pois isto tudo está ligado à educação, que, infelizmente, no nosso país é a última opção do orçamento federal. Portanto, fica muito difícil, convencer uma pessoa a sair de casa, para ver alguma coisa, com atores pifiamente formados, que não têm nada de interessante para mostrar.

Cena Paulistana: A Cia Mamba de Artes, que encena o espetáculo, diz que busca um teatro contemporâneo baseado no ator-criador, além de misturar elementos do cinema e do teatro. O que é teatro contemporâneo? O que seria o ator-criador e como funciona essa mistura de cinema e teatro? Quais elementos de cada arte aparecem nessa mistura?

Flavio Barollo: A Cia. busca realizar a cada espetáculo pesquisas de linguagem, e investiga as possibilidades de interação com as demais manifestações artísticas. A utilização do cinema nesta montagem diz respeito aos estudos e inspiração sobre a obra do cineasta sueco Ingmar Bergman, também fascinado e devoto por Strindberg, e um dos maiores diretores mundiais de cinema e teatro.

Cena Paulistana: E Você, Denise, que tem uma boa experiência em cinema, o que traz para essa mistura? Entre cinema e teatro que Cia Mamba propõe?

Denise Weinberg: Eu nunca pensei em nova proposta de estética das artes cênicas. Quem sou eu? Não acho que se deva misturar cinema com teatro, são duas linguagens completamente diferentes, e que ocupam segmentos diferentes, e não tenho a menor pretensão em ligá-las por mais que eu faça cinema e teatro como atriz.

Cena Paulistana: Vocês querem com o espetáculo atingir desde o grande público, com os preços populares, até os filósofos e pessoas do teatro. Não são públicos com exigências e níveis diferentes? Como conseguir juntar esses interesses para atrair todo mundo?

Denise Weinberg: Eu não tenho a pretensão de atingir ninguém, muito menos filósofos (risos). Quem for assistir a “O Pelicano” será extremamente bem recebido, e se quiser ficar para conversar com a gente, será bem-vindo. Não estamos em condições de definir plateias. Quem vier, será bem recebido, é só.

Cena Paulistana: Para terminar: Como você definiria em uma frase a cena paulistana hoje?

Denise Weinberg: De 175 peças em cartaz, acho que valem a pena umas dez.



Para sinopse, fotos, vídeo com trechos da peça, serviço e ingressos clique aqui

Nenhum comentário:

Postar um comentário